quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Infância

Ah, aquela jarrinha de barro com água... Aquela caneca de alumínio...  Aquele cheiro de infância... Aquelas folhas secas no quintal, as frutas que de tão madura vão formando um tapete de cores e cheiros mil.
O balanço de madeira... Alto no céu, raso no chão... Ia e vinha e eu voava.
Aquele ventinho leve e manso no fim da tarde, aquela cadeira velhinha que vai e vem... Vai e vem... Vai...
Bolinhas de gude, corda de pular, boneca de feira, carrinho de lata... Teu carinho
Banhinho gostoso, frio. Roupinha cheirosa, cafezinho quentinho... Teu colinho
De novo a cadeira de balanço que vai e vem... Que cheiro bom àqueles dias tinha. Que gosto maravilhoso. Que imagens lindas, fotografias da memória, retratos do coração, no coração.
À noite – sem luz – só breu, ao léu, contos, cantigas, risos... Soninho... Colinho... Dormir. E você ali, a velar, a olhar, a orar.
Outro dia, a infância recomeça. Tudo de novo.
E outro dia, mais um dia, e mais outro.
A cadeira de balanço quietinha ficou. Não vai nem vem. Não vem. Você foi (...)
Revivo estas lembranças e renovo o amor que outrora senti, sinto. Viva ainda aqui, viva ainda em mim. Para sempre. Eternamente.
Aguardo o reencontro e cadeira de balanço novamente a ir e vir. E eu no teu colo a descansar do cansaço por te esperar... E descanso... E descanso... D e s c a n... Psiu!

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Arrumando meu barraco de vidro

Hoje resolvi que iria limpar o meu barraco, prepará-lo para o novo, ou se ele não vier não tem problema, simplesmente deixá-lo limpo já me alegra.
Cuidei para que suas frágeis e arranhadas paredes transparentes pudessem exibir o festival de cores que graciosamente e silenciosamente é exibido lá fora.
Varri o chão de barro pisado, arranquei uns matinhos que ali nasciam.
O teto de vidro foi o mais difícil. A poeira tomara conta. Mas não me intimidei. Afrontei-o e eliminei cada partícula que impedia àquela luz maravilhosa de entrar. E ela por fim entrou majestosa.
Meu barraco de vidro não tem moveis nem mesmo uma cadeira. Não tem luz ou água. Mas é um lugar tão bonito, tão calmo e silencioso... Os barulhos que vez por outra entoam seus ruidosos cânticos de horror, dor, tristeza, solidão só eu os escuto. Só eu os sinto. Assim preservo aquele lindo lugar, mantenho-o preparado para quem chegar.
Quando a noite chega, posso contemplar o chão de estrelas e o chamo de meu. Aprumo minhas mãos por detrás da cabeça, deito-me à vontade no chão de barro que acabara de limpar e me delicio contemplando cada cintilar daqueles astros. Olho ao meu redor, o breu toma conta, mas sua beleza é majestosa, perfeitamente negra.
Ali adormeço e faço-me merecedora do descanso maciço e inviolável. A chuva vem fininha e delicada voando e dançando voluptuosa nos braços do vento que a traz com gentileza. Juntos, cantam e embalam meu sono.
Sonho! E nos meus sonhos refaço-me fazedora de minha vida, de meus passos, destino. Passado, presente e futuro caminhando juntos e gargalhando dos prováveis e comprováveis acasos que por acaso provoquei. Também sorrio. Acho graça que, eu sendo mera espectadora de mim mesma, continuo a atrever-me a ser escritora de minha própria história.

Mais um pouco de Clarice Lispector

Gosto dos venenos mais lentos, das bebidas mais amargas, das drogas mais poderosas, das idéias mais insanas, dos pensamentos mais complexos, dos sentimentos mais fortes… tenho um apetite voraz e os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer:
- E daí? Eu adoro voar!
Não me dêem fórmulas certas, por que eu não espero acertar sempre. Não me mostrem o que esperam de mim, por que vou seguir meu coração. Não me façam ser quem não sou. Não me convidem a ser igual, por que sinceramente sou diferente. Não sei amar pela metade. Não sei viver de mentira. Não sei voar de pés no chão. Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma pra sempre.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Te celebrarei

Te celebrarei
No dia que de novo surgiu, dessa vez com chuva e na chuva te cantarei
Não uma canção que possam ouvir, é só pra você
Dançarei de olhos fechados com a cabeça erguida para que a chuva alcance cada centímetro do meu rosto
Dançaremos juntos
Cantaremos juntos
Depois, teu abraço me enxugará, esquentará e afastará o frio que ficou
Te levarei para casa
Seguirei teus passos que ficam marcados na lama da estrada
Não ousarei encaixar meus pés, seguirei ao lado
Ninguém vê que estás ao meu lado. Mas eu sei, posso te sentir, posso te ver.
Vamos no caminho dando risadas bobas, chutando as poças de água que se acumularam, teu braço envolvendo meu ombro de maneira protetora, acolhedora
E nos vamos... Seguindo pela mesma estrada que tantas e tantas vezes andamos
Algumas vezes era eu que te seguia. Outras vezes me levavas no colo, outras vezes no coração
Mas sempre juntos
E estaremos assim por toda vida, porque fizeste uma promessa e dela não podes voltar a atrás:
“Porque és precioso a meus olhos, porque te aprecio e te amo, permuto reinos por ti, entrego nações em teu resgate”

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Fim de mim: caco de telha, batente, lepra

Tudo que tem começo tem também um fim
Hoje sinto que estou no FIM DE MIM
Estranha essa sensação, esse sentimento
Uma amiga me disse hoje: “sentada no batente posso continuar a apanhar meu caco de telha”
Não restou muita coisa, como ela bem disse: só os cacos. Como telhas velhas caindo do telhado e quebrando-se quando em contato com o chão. Falamos também de lepra, aquela que fere e rasga a alma fazendo-a sangrar um sangue que não estanca.
Certa vez, quando criança, fui com minha mãe, irmão e uma amiga a um hospital de leprosos. Eu deveria ter uns 10 anos. Nunca vou me esquecer daqueles rostos. Um em especial me chamou a atenção. O nome dele era Amaro. Não tinha pêlos no corpo. Os olhos de um leproso são hipnotizantes, dá pra sentir a dor através deles. Ele tinha um violão e, com os dedos feridos, assim mesmo tocava uma canção que não eu conhecia. Sentei-me ao lado dele e começamos a conversar. Não lembro quase nada da conversa, mas lembro que ele contava muitas piadas. Depois descobri que era a ele que tínhamos ido visitar (era o amigo da minha mãe e de sua amiga).
Fiquei me perguntando por que Deus permitia aquela doença. Era feia. Fiquei triste com esse pensamento. Naquela idade não entendia doença, tampouco os desígnios de Deus. Era apenas uma criança tendo dó de um homem preso àquelas feridas todas.
Ele desistiu. Foi embora. Chegou ao fim de si. Ele desistiu.
Olho para mim, sentada no batente que minha amiga mencionou. Estou de fato sentada usando os cacos de telha para aliviar a dor. Mas ao mesmo tempo, esses cacos aprofundam ainda mais as feridas. Mas não tenho o que fazer, os casos são os restos de mim que vão caindo, se deteriorando. Tento repô-los. Não consigo. Os dedos feridos impedem.
A confusão me toma, a inquietude vem. Só queria descansar. Fechar os olhos e sentir a dor ir passando, mesmo que eu não esteja mais acordada.
Não posso comparar minhas feridas com as dele. As dele se viam e doíam de fato. As minhas, só eu as vejo, só eu as sinto. E vou passando imperceptível pelas pessoas, sorrindo o sorriso ensaiado. Levando comigo, escondido, meu cacos de telha, meu batente e minha lepra.

Triste

Vou deixar a porta aberta
É pra você, sempre pra você
Retirei as travas, os trincos, as chaves, os cadeados
Abri as janelas, deixei o sol entrar, o vento, a brisa, a luz
Tudo para arejar o ambiente para quando você voltar
Às vezes anoitece e você não vem, mas a porta permanece aberta
Posso ouvir tuas pegadas de longe, o vento antecipa o teu cheiro, eu o conheço
O som rouco da tua voz já invade o ambiente, teu sorriso frouxo me faz rir também
Vou deixar a porta aberta
É pra você, sempre pra você
Sento, olho, espero e espero
E você não vem
Aquela música que você não ouviu
Aquele livro que você não leu
Aquele choro que você não impediu
Aquela porta que você não abriu
Tudo aconteceu e você não viu, não viu
Mas ainda vou deixar a porta aberta

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Procuro

Procuro em mim aquilo que há tanto perdi
Doçura, candura, gentileza, sutileza, leveza
Um dia as tive?
Procuro em mim aquele ser cantante, dançante, falante, pulsante
Seguro o volante da vida que a mim foi dada, olho os sinais atentamente e embassadamente, desinteressadamente
Presto atenção às placas: Promoção! Vende-se! Aluga-se! Procura-se! Aberto! Fechado!
Os rostos que vão passando à volta cheios de enigmas envoltos em seus pensamentos secretos a mim. Palavras rodopiando naquelas mentes, sentimentos, desejos, esperas...
Volto às placas, estão por toda parte.
Que placa me representa?
Dirijo com calma, mas não paro de olhar que o combustível está no fim, não há como abastecer, não há onde abastecer, não quero abastecer
Engarrafamentos, acidentes, semáforos, chuva, asfalto gasto, tudo me interrompe, tudo me corrompe e corrompida sigo, pois não há como voltar. Agora é só seguir
Sinto vontade de parar. Encostar a cabeça no volante, fechar os olhos, tirar o cinto de segurança, abrir as janelas, desligar o motor
Ligar o som no último volume naquela música que tanto me faz rir e chorar ao mesmo, me traz lembranças de mim mesmo, dele, de nós, de todos
Não me importar com outros carros que estão atrás, a lado, à frente... De certo irão buzinar enlouquecidos, furiosos... Não me importaria! Apenas me daria o direito de estar ali, largando aquele volante, me desprendendo dele, me (des) aprisionando dele, me desapropriando dele
Desejo subir no capô enquanto aquela música ensurdece a todos e, louca, insana, desajuizada, desvairada dançar, dançar e dançar...
...Dançar até que as buzinas se calem e a noite chegue enegrecendo tudo, silenciando tudo, trazendo em seu colo o breu, o léu
Só quero que essa dor passe
Só quero que meu desassossego abandone-me e siga seu destino traiçoeiro e fatídigo
Quero soltar o volante, não quero olhar o retrovisor
Quero seguir a pé, não me importa para onde
Quero apenas seguir

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Uma história de amor

Escrevi este texto em Outubro de 2002, fez parte de um momento importante da minha vida. Juntei-me a uns amigos e resolvemos preparar uma peça para a semana santa do ano de 2003 para ser apresentada à comunidade carente a que ajudava-mos. Um amigo muito querido a musicou e outra amiga cantou enquanto os atores a encenavam dando uma magia única ao momento. Nunca vou esquecer meus amigos que acreditaram nesse sonho e doaram seu tempo àquele projeto. Foi um lindo trabalho que dentro de sua simplicidade pôde tocar muitos corações, especialmente os nossos. Momentos de alegria que dão cores às minhas melhores memórias.


***************
Parece ser mentira o que meus olhos vêem
Meu filho estendido, caído em meus braços
Outrora pequenino hoje homem salvador
Por um amor mal compreendido alguém o matou

Difícil foi lhe ver pregado em uma cruz
O meu coração de mãe rasgou-se em pedaços
Olho para ti, tristeza sem fim

É difícil entender
É difícil explicar
É difícil entender tamanha dor

Meu filho, meu salvador
Te acolho em meus braços
Sei que vivos estais, logo voltarás
Quero ser parte dessa história de amor


terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Nudez

Ahh
Experimento a nudez, não a corpórea, mas a da alma
Experimento-a, contemplo-a, desejo-a, eternizo-a
Nudez que vem extrair os trajes mais sujos, velhos, verdadeiros farrapos, frangalhos


Frio


A nudez vem trazer um gostoso frio... Arrepio...


Despojo-me


Alma inquieta, louca, doida, arroaceira... agora faceira... livre...


Paz


Sinto que agora ela voa, solta e leve como nunca fora... Desperta olhares: Os quero!


Equilíbrio


Sossego


Quietude


Psiu! É hora de repousar!


sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Dorme neném

Não sei que rosto teria... Por mais que tente, tua imagem vem distorcida. Não existes, só em mim, em meu desejo, em meu sonho.
Sei que não virás. Choro. Sofro. Ainda assim espero... Milagre! Um dia te anunciarei?
Vejo outros que poderiam ser você... Como pode ser? Sentir falta do que ainda não existiu? Do que ainda não foi gerado? Do que não será gerado! Do que não pode ser gerado!
Lágrimas...
Vazio...
Sinto-me uma árvore seca, ainda não tragada pelo tempo, mas ainda assim seca. Os frutos não brotaram, não sei o sabor, a cor. Essa sequidão apodreceu o que nunca te guardará.
Braços que nunca te embalarão...
Lábios que nunca te cantará cantigas já esquecidas de ninar...
Lágrimas nunca escorrerão por te ver andar... Falar... Balbuciar coisas que só meu coração entenderia
Colo nunca te amparará enquanto meus lábios beijassem e fizessem cócegas nos teus pequeninos pés
SIM! Existes. És meu desejo. E desejos morrem conosco. Viveras em mim sem nunca teres nascido e morreras comigo sem nunca teres morrido.
Dorme neném...

A areia, o mar e as pedras

Transito em dois mundos. A um deles atrevo-me classificando de sub. Passeio alternando meu trajeto entre areia, mar e pedras. Em todos vou deixando minhas pegadas, não apenas contornadas com o centro ligeiramente afundado dado o peso da minha existência. Mas todo, totalmente preenchido por um liquido vermelho. Uns acreditam que esse líquido signifique morte, perda. Eu, simplesmente VIDA. É o que sai de mim e em mim fora nutrido e nutrindo.
As pegadas vão formando uma trilha de um vermelho intenso, profundo. Algumas vezes seu trajeto descontinua dado o intenso cansaço. Ao invés de pegadas, apenas dedos marcam a areia - dessa vez mais profundamente -, o mar e as pedras. Os tornozelos ligeiramente erguidos denotam o cansaço e o rebaixamento dos joelhos que por sua vez também deixara ali a sua marca também vermelha. À sua frente, vejo duas mãos... São as minhas. Suas marcas vão se borrando e desbotando com a mistura rica, fina e invisível da água com sal que escorre pela minha face. O sol acima, não consegue atingir meu rosto dado sua posição atual. Mas sinto aquele calor invasivo tomando toda a minha cabeça.
Suspiro...
Silêncio...
Outro suspiro...
Mais vermelho...
Num sobressalto, ergo-me continuo meu trajeto. Desta vez, o vermelho vai tornando-se menos intenso, menos espesso. A areia vem fininha invadindo todos os vãos entre meus dedos. O mar vem lavar e retirar aquelas manchas, apagando aquele registro. E por fim, as pedras vêm massageá-los extraindo para si toda e qualquer dor e permitindo que as falanges voltem aos seus lugares. O sol, que antes mirava apenas minha nuca, agora me envolve completamente (re) aquecendo aquele vermelho que agora havia apenas dentro de mim, transitando livremente mantendo-me erguida, viva, ressuscitada.
Aquele cheiro delicadamente misturado de areia, mar e pedras vêm como em rajadas me submetendo a um arroubamento jamais experimentado.
Êxtase...
Pude olhar para traz com uma calma indescritível, indizível, incompreensível e testemunhar que o mar GENTILMENTE tratara cada uma das pegadas ali deixadas. Tomava-as para si, como se a ele sempre pertencesse... Como de fato era... Como de fato é.
E eu me refiz...

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Mar

É assim que eu sou. É esta a minha vida.
Areia branca reagindo com brilhos e reflexos ao carinho do sol. Pegada que ali ficou registrando um andar solitário mas cheio de presença que vai se entregando aquelas barulhentas e insistentes ondas. Calmamente e resignadamente vai...
Assim sou eu. Não me teço de versos. Não os sei construir, não sei usar métricas de poemas. Quem dera saber... Faria deles meu mais nobre castelo com torres altas e muralhas que nem mesmo o tempo derrubaria. Nem mesmo o feroz dragão da audácia humana. Nem mesmo eu.
Concha que vai e vem acompanhando o balé das águas ignorando sua própria existência e seu próprio sentido de ser e existir... Apenas se entrega e vai...
Legado meu deixado para mim mesma dada à patética sobrevivência de sentidos extravagantes e extravasados. De um lado amor e, de outro, olvidamento.