sexta-feira, 27 de maio de 2011

Dias, anos e vida

Eles ardem de doçura ou enfurecem o agulhão, tal qual uma abelha
E o certame continua indo e vindo, entre o mel e a dor
Dizem que os anos se desfiam como rede: não há rede
Dizem ainda que os anos são como um rio, cujas gotas correm e misturam-se a outras: não há rio
A vida, vivida ou sonhada, não pode ser partida em duas metades
Ela é ação, ela é silêncio, ela é verdade, ela é virtude, ela é uma em mil fases, e porque não dizer faces
Ela é como a folhagem seca que na fogueira, reverbera numa única chama: o tempo
Somos como árvores que crescem silenciosas, para cima e para baixo
Em baixo, convivemos com os germes instransferíveis e, bebemos da água extensa e gratuita
Em cima, nossa copa abriga, convive e compartilha o céu e tudo que nele há, até os temporais: e ainda estamos alí
Tomando do sol o seu calor sem sequer pedir seu consentimento
Tomando da chuva sua umidade, salivando nossas folhas e brotando nossas flores e frutos, sem que ela sinta a ausência de uma gota sequer

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Novas palavras

Você me pede palavras mais brandas, mais coloridas, mais sorridentes. Tem razão.
Vejo as tralhas espalhadas pelo chão e, buscando força no que você diz, agacho-me mais um pouco e procuro aquilo que você vê de tão bonito, garante-me existir.
De fato existe. Está lá, são as vitórias conquistadas, são os momentos que tantos gargalhamos, são as muralhas reconstruídas e em sua volta belas paisagens. Enquanto remexo nas coisas, encontro belos recortes, lindas fotografias, rabiscos que um dia fiz de um momento feliz, amigos que fiz durante minha jornada, historias que compuseram minha existência dando formação ao que sou. E hoje, como uma base sólida, vão ajudando-me a compor uma nova história. E não precisa ter lágrimas, não precisa ter dor. Mas se existir, que haja também a paciência e a certeza que tudo concorre para o nosso bem. E tudo tem concorrido para o meu bem.
Sim! Sei quem sou. Não me perco de mim. E sei que você também não permitirá que isso aconteça. Mas independente de qualquer coisa, sou eu quem precisa lutar por esse eu que ainda existe. E ele tem coisas boas a fazer, o tempo ainda não acabou e o relógio ainda não parou.
Sim, ainda cantarei canções mesmo sem saber cantá-las. Ainda colherei flores, mesmo tendo elas espinhos. Ainda amarei mesmo que cause dor – se não houvesse dor, amor não seria. O amor dói e arde e queima e rasga. Mas ele também cura, sopra, abranda e remenda.
Não existe resto de mim. Existe um eu novo sobrepondo o eu velho. É o ciclo que se movimenta e no momento certo se fecha dando abertura a outro. E tudo na verdade é como um game, aonde para se chegar num novo estágio é preciso vencer o outro. Nunca me considerei jogadora, mas todos nós somos. Viver é jogar. E vive bem que o sabe fazer, quem pula de estágio, quem chega à outra fase.
Preciso ir agora. Estou pulando uma fase.
TAM TAM TAM

terça-feira, 17 de maio de 2011

O Tempo

Vagueio em busca do tempo ora perdido
Ele, malandro e faceiro, corre com os dentes entre os lábios sorrindo de mim
Adentro nas memórias já esquecidas e procuro, sacudindo as tralhas para o alto, aquilo que já nem lembro mais
Fio-me no vazio de minh´alma, fito o que ainda há de bom em mim e já não esmoreço: existo!
Reproduzo no vento inconstante as imagens de mim mesma e que um dia fora eu: não sou!
As imagens, em preto e branco, vão colorindo as telas da imaginação do que deveria ter sido: e não foi!
E os sons, gritos e gemidos, sorrisos e choros, gargalhadas e silêncios, são apenas letras reproduzidas – como que borboletando - no universo daquilo que não pôde e não poderá ser dito: calo!
Contabilizo, todavia resignada, as inúmeras desventuras. Culpo o próprio tempo, já que o espelho – ah o espelho – acusador insensível, revoga toda culpa a ele atribuída.

sábado, 14 de maio de 2011

Osama não morreu

Já havia postado este texto mas volto a postá-lo. FIco impressionada com a ilusão americana e por que não dizer mundial, por achar que com a morte (?) de Osama o mundo se livra de mais um terrorista. Talvez, penso eu, ele tenha muito mais força agora do que antes, visto que seus seguidores o proclamam de mártir e não medirão esforços (e bombas) para dar seguimento às suas "idéias de paz e liberdade".
****
 
Certa vez li que nossa maior fraqueza é olharmos as mesmas barbáries do passado e transferi-las a conceitos que já não satisfazem a mente moderna. Este mesmo artigo nos conduzia a refletir sobre imperialismo americano jogando sua magnânima bomba atômica nas nações mulçumanas. E se eles por sua vez, radicais ou fundamentalistas, implantassem o terror desmedido a todas as nações que lhes são contrárias? E se os judeus destruíssem os palestinos? Quem é o verdadeiro diabo, Hitler ou Mussolini? Matar 3.000 pessoas justifica o holocausto de 30 mil? (Japão x Pearl Harbour / EUA x Iroshima e Nagasaki) Quem é o diabo dessa história? Quem é o detentor da maldade? Que medida, que consciência, que razão, que sensatez ela tem? Quem a provocou?

Ainda haverá outras guerras que nos parecerão diabólicas e que os povos não menearam com qualquer estigma de reprovação. Afora essas divindades que várias nações proclamam funestas e ainda assim as honram com terror religioso. Todavia, há de se notar que um falso culto heróico lhes rendeu, entretanto os marcou com terrível e indelével abominação.

Se nada é realmente bom ou mal, como é defendido por alguns, então não existe nenhum padrão de valor além das preferências pessoais. Aposte-se na corrente oposta (os corajosos), cuja base é a renovação da consciência da maldade que muitas vezes uni-se com o interesse ressuscitado na natureza do mal (essencialmente). Basta-se lembrar das hipóteses de progresso (que progresso?), que trazem impressas em suas bandeiras o sangue extraído dos horrores marcados na história da humanidade. Reavalie-se. Seria então a maldade inerente à natureza humana?
 
Eu particularmente prefiro deter minhas preocupações na maldade que parece ter-se tornado permanente na conduta humana. Mas deveríamos fitar-nos a aprender a conviver com a essência do mal inserida em nosso ser? Seria impossível então distanciarmo-nos dela? Como poderíamos dar inicio ao processo de (r) evolução recriando o conceito de progresso e por que não dizer dos padrões da vida?

Não seria hora de alargar a visão para os conflitos da alma e, com coragem, buscar alguma chance por menor que possa ser, de afastar a humanidade da ruína que a desenha com tanto apreço e zelo?
Clamo aos corajosos.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Mosca no Prato

Vigília

Não era ou é o seu ofício, mas tornou-se vigia de si mesma. As noites são intensas, longas e ela vigia seu pequeno altar para que “aquele que rouba sonhos” não se aproxime. Prefere então não sonhar, porque sonhar significa que adormeceu. Então a noite que parece ter mais horas que um dia inteiro alonga-se trazendo consigo os medos, as lembranças, o passado e o presente que de alguma forma encontraram-se e misturaram-se formando uma mistura densa. As pessoas não entendem seu ofício, remete-se então ao silêncio e tenta, sozinha e lentamente, curar-se e remendar-se apanhando do chão os pedaços de si mesma e colando-os novamente em seu corpo – um a um – como um quebra-cabeça.
A vigília continua e às vezes o cansaço a vence e então adormece. E, esse momento que deveria ser o repouso das almas cansadas, é então o início do tormento que tanto evitara. Ele vem, a luta recomeça. No final não há ganhadores. Todos perdem. Sempre perdem.
Mas o dia vem, o seu altar molhado pela luta estabelecida é recomposto. Coloca sua capa e sua máscara. Recompõe o rosto. Abre a porta e saí. E tudo continua do mesmo jeito.
Ela segue tentando apanhar flores no caminho. Segue com sua capa e máscara e todos a elogiam por aparentar ser uma guerreira destemida. Mas o silêncio que a compõe também a destrói. Mas ninguém tem nada a ver com isso, pensa ela.
Talvez ela seja mesmo esta guerreira que tantos acreditam. Talvez não seja. Talvez essa capa, essa máscara tenha causado essa impressão porque no fundo, ela é só uma menina que remetida aos seus seis anos de idade, tem medo do escuro, tem medo das pessoas, tem medo da rua, tem medo da vida.
E o seu maior medo, é que aqueles que hoje seguram sua mão um dia se cansem ou se distraiam e a soltem. Ela sabe que precisa vencer seus medos sozinha, luta para isso. E por isso, a vigília continua...

quinta-feira, 5 de maio de 2011

O tempo

O tempo detém em si o segredo de consumir-se sem percebermos
É um relógio que, parado ou andando, faz-se contar em segundos, dias, anos e até momentos
Cronometro invisível, nada mais é que engodo para fazer-nos pensar que podemos controlá-lo, prendê-lo, detê-lo. Engano desmedido
Finge ser infinito, assim, não o vemos passar. Acreditamos consumi-lo, a verdade é inversa
Impiedosamente nos impõe a gravidade até o último grão, expõe nossa fragilidade e a escancara no espelho da nossa vaidade
Imparcial, não se detém a distinções: Devora a todos impiedosamente
Todavia, tão vão seria viver matando o tempo. Seria o mesmo que matar-se sem sentido

Diz-se dele, então, invisível ponteiro da vida. Crueldade desnuda e inocente é também peça necessária do fim, sendo este inevitável. Tem fome e sede insaciável. As sombras que se movem o trazem escondido por traz de si.
Ele, ele mesmo, encarrega-se de representar - soberano - os objetos que não nos servem mais, as pessoas que há muito não vimos, as cartas amarelecidas, as crianças que crescem, os velhos que morrem, as fotos que desbotam, a esperança perdida e também aquela renascida, a podridão das frutas que sequer foram colhidas... e a vida
Triste realidade: ele está até nas memórias e lembranças já esquecidas. Nos deixa por herança a esperança de Pandora.
Ele, o tempo. Senhorio e rei de duas faces. Ora nos mata, ora nos dá vida. Dono irremediável e incontestável que traz sempre embainhada a faca amolada da fé cega.