terça-feira, 6 de setembro de 2011

Altar Particular



Encontrei num canto qualquer do meu quarto úmido e escuro um velho baú. O abri e verifiquei coisas que há muito não lembrava. Alguns sonhos que nunca se realizaram, resquícios de outros que se consumaram.

Vi cartas delicadamente arrumadas com suas folhas já amareladas (quantas histórias...).
Fotografias de um tempo que já havia se perdido dentro dos anos que ruíram (aqueles rostos...). Recordações que já havia esquecido – uma a uma deterioraram-se dentro de mim.
Aquele cheiro de “velho”, de “guardado”, aquele aroma de “passado” me remeteu aos dias que já não conhecia. Tudo tinha cheiro, textura, cor. Tudo era tão “antigo” e ao remexer naquele velho baú era como se um carrossel se formasse naquela penumbra trazendo aos galopes todas aquelas imagens como se houvessem acontecido ontem e eu entontecendo, fazendo um esforço sobre-humano de fazer voltar o colorido daquelas histórias e viajar no tempo, ou simplesmente trazê-lo de volta.

Não há de voltar.

Não encontrei uma ordem lógica entre os acontecimentos registrados naquelas lembranças materiais (ou imateriais). Cada coisa que eu mexia trazia outra agarrada como uma traça esfomeada agarra-se ao seu alimento. O que eu faria com aquilo? Olhavam-me como se gritassem por socorro e me suplicassem o colo ou mesmo um lugar dentro das memórias mais recentes e as tornasse inesquecíveis.

Suplicavam chorosas!
Fotos, cartas, botões, a velha boneca, aquele chaveiro quebrado, laços que um dia enfeitou-me (não lembro em que ocasião), velhos CD´s com suas caixinhas quebradas, a flor ressequida dentro do livro que li, o caderno de cifras que nunca usei, a paleta do violão que nunca toquei... Tudo jazia vivo e pulsante e sangrando e gritando e suplicando e estendendo os braços e ... Imortal (...)
E, de repente, tudo estava ali, de volta. Vivo! Com cor, formas perfeitamente contornadas e entendi o esforço que minha memória fez (anos após anos) em apagar cada registro. E chorei!

Mas lágrima de contentamento eram. Vi que de fato a potencializamos demais certas coisas que não merecem. E fatalmente, reduzimos as coisas grandiosas. Invertemos valores e sofremos as consequências. Pude alegrar-me com esta nova consciência, com esta nova visão. Prontamente investi em arrumar, pôr em ordem as "coisas" do momento presente, atribuir a elas o real valor. Dar a elas o lugar que lhe são de direito.

Mas aquele baú, aquele velho baú, tinha agora outro sentido. Era meu pequeno, úmido e não esquecido altar particular. E estava enfim, no lugar certo.

5 comentários:

  1. Deixar as coisas sem valor em seu devido lugar é deveras importante. Isso, quando não as podemos jogar fora. Lembranças fazem parte do nosso eu, do que somos hoje. Só isso. Não há espaço no presente para nos voltarmos, frequentemente, ao passado. Os lugares vazios que ficam, quando nos desfazemos dos guardados nocivos, são especiais para o novo, para as descobertas, para entrar a luz.
    Lindo texto!
    (fique à vontade quanto ao post do diário (rss)).

    Bjs.

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  2. Seria ótimo sempre darmos às coisas a importância que elas realmente têm, nem mais nem menos, né?

    Um beijo.

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  3. Boa noite, nao e um conselho, mas sim um toque...queime tudo, jogue fora, pratique o desapego e voce conseguira seguir adiante, para que um altar, se o que acontece e te fazer lembrar e sofrer? Jogue tudo fora e nao se arrependa, pratique ja o desapego...bjin

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  4. Olá passando p prestigiar seu blog...amei ..excelentes post, parabéns!Será um alaegria sua visita!

    Shalom

    http://nairmorbeck.blogspot.com/

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  5. Luiza!

    Adoro teu blog! Emana sinceridade e beleza em forma de poesia.! Eu que agradeço a você fazer parte deste teu cantinho!
    Li os dois posts anteriores e me emocionei muito!


    Um abraço apertado e um carinho para você!

    Um beijo no coração!

    Elaine Crespo

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Cada click é um toque, um afago, um carinho. Obrigada por ter vindo, lido e comentado. Paz!