terça-feira, 23 de novembro de 2010

Uma visita

Ontem cheguei em casa, estava tudo escuro. Como de costume, enquanto abria a porta olhei para o meu pé de “buchinho”, cada dia mais verde e vivo, me retribuía pela água que gentilmente lhe oferecia todas as noites. Acendi a luz da sala, entrei. Senti aquele cheiro novamente: solidão. Procurei não pensar nela. Naquela hora falei “por hoje não”.
Subi as escadas, tudo estava exatamente como eu deixei na manhã daquele dia. Nada fora do lugar. Nenhuma desordem, exceto dentro de mim.
Não acendi mais nenhuma luz. Fui até a varanda, a lua estava linda! Reinava no céu, mas não estava só, tinha as estrelas por companhia. Meu pé de “chuva de prata” já havia dispensado todas as flores que o enchia de um lilás lindo, já era passado o seu tempo. Agora se tornara apenas verde, como antes. Juntei as florzinhas que estavam caídas ao chão e coloquei-as dentro do vaso, para que pudessem reviver e alimentar aquela plantinha servindo-lhe de húmus.
Minha pequena e frágil roseira, embora tentasse fazê-la reagir às agressões das formigas, não tive sucesso. Seu frágil galhinho verde deu lugar a um marrom triste. Não havia mais folhas, as formigas comeram tudo. Falhei com ela.
Sentei-me no chão e fiquei ali revezando meu olhar entre o céu e as plantas. Vi escorrem lágrimas que eu não podia conter. Elas esperavam todos os dias por mim, ali, enfeitando minha varanda e não pediam nada em troca. Apenas que lhes desse um pouco de água. E a única água que pude oferecer-lhes ontem eram as minhas lágrimas.
Procurei silenciar o coração a fim de que este silêncio trouxesse a presença de meu amigo. Tão rapidamente ele veio, sentou-se ao meu lado. Ficou quieto. Respeitou meu silêncio interrompido apenas pelo som quase imperceptível de meus soluços.
Interrompi o meu silêncio tentando colocar para fora a frase “bom que você veio”. A frase saiu estremecida, mas ele ouviu. Pus a mão em minha garganta, parecia que dali queriam sair edifícios inteiros, chegava a doer. Apertei os olhos e procurei me acalmar tentando manter ritmada a minha respiração. Ele apenas me observava. Ficamos ali por quase duas horas. Senti que ali estava não só o próprio Deus, mas meu amigo, meu consolo, meu abrigo, minha calma, minha paz, meu refúgio, meu lindo e doce companheiro.
Ali, com sua presença, meu sepulcro tornara-se sacrário. Falamos de coisas simples, de lutas vencidas, de dores suportadas. E ali estava eu, prostrada diante de algo que eu mesma não consigo descrever com exatidão. E ele me consolava apenas ao olhar-me. Pois ele sim sabia. Falei para ele dos monstros que há anos me assombraram e que hoje voltou, ele apenas ouviu.
Ele é assim. Não é de falar. Apenas vai onde é chamado. Senta-se e ouve. Nada diz. Mas seu silêncio atravessa a fronteira da razão e dos sentidos. E depois vai embora, como se tivesse dito mil palavras, deixando em seu lugar o calor de seu abraço que duraria até o próximo encontro.
Sabia que naquela noite, minha alma permitiria que meu corpo descansasse em paz.

3 comentários:

  1. "Brisa suave que atravessa a sala e perfuma o ar".

    Encontro indízivel...

    Eis a hora da paz...psiuuu....

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  2. Apesar da sensação de tristeza, isso é uma dádiva. Afinal, ELE vive em cada um de nós. Cabe-nos encontrá-lo, reconhecê-lo e abraçá-lo. A solidão nada mais é do que a presença do amor ausente...

    Ótimo texto! Triste e divino. Belo e consciente... Parabéns! :)

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